sexta-feira, 24 de abril de 2009

4º Passo



(...)

Ela estava toda de branco. Vestia uma blusinha com uma
estrelinha azul estampada em meio aos seus delicados seios. A
blusinha era minúscula e deixava à mostra o umbiguinho
sensual dançando em sua cinturinha. Sua calça de lycra agarrada
ao corpo mostrava o delicioso contorno de suas coxas. Apesar
de vestida, parecia nua. Ou seriam os meus olhos que a despiam
naquele momento? Ela tirou um par de brincos da bolsa.
Dezenas de pequeninos corações azuis pendiam em cacho.
Talvez eles representassem o número de corações que ela já
havia conquistado. Uma coleção de amores falsos.
Olhando-se no espelho, ela tentou aninhar seus amores de
bijuteria entre os cabelos escuros como a noite selvagem,
cabelos lisos e macios como os lençóis em que ela se deitava
para fazer amor. Mas acabou desistindo de colocar os brincos.
Talvez quisesse uma joia de verdade. “Guarda pra mim?”, ela
sorriu, me entregando os corações. Guardei em meu bolso,
como se fosse um tesouro. E sem dizer mais nenhuma palavra,
ela segurou a minha mão e começou a andar colada a mim.
Simples assim, como namorados. (...)
Ela sussurrou em meu ouvido: "Vamos ao motel?"
Eu sabia que ela era uma profissional do amor. Sabia desde
a primeira vez que a vi. Ela ainda não havia estipulado um preço,
uma quantia para que eu me tornasse mais um coração em seu
brinco azul. Não respondi. Ela ficou calada por mais alguns
instantes, tentando encontrar palavras que nunca vieram. Seu
rosto queria falar, mas foi calado pelo seu corpo. “Vamos ao
motel?”, ela repetiu baixando os olhos, fingindo estar
envergonhada. Continuei calado ao seu lado. Em um segundo,
ela se distraiu e largou o meu braço. Quando ela se voltou para
mim, eu já não estava mais lá. Fugi. Fugi porque não queria me
tornar mais um coração falso em meio a tantos outros. E fugi
rapidamente, porque se não o fizesse, meu corpo me trairia.
A última noite de festa foi a mais solitária de todas... De que adianta
beijar todas as bocas do mundo, se nenhuma delas fala a língua
do amor? Senti saudades da minha ex-noiva, que estava do
outro lado do mundo. Na verdade, acho que senti apenas
saudades de ter alguém para amar. (...)
A grande apoteose da ilusão chegava ao fim. Milhares de pessoas
seguiram para o porto. Era hora de zarpar da ilha da fantasia e
voltar ao mundo real. Três dias e três noites haviam se passado,
sem que um único segundo fosse desperdiçado. Nas largas
águas do Amazonas, os barcos seguiam exaustos em uma triste
fila indiana... Caminhei pelo convés, segurando um par de brincos de
corações azuis. Caminhei em direção a uma garota de cara
inocente e corpo safado, encostada na amurada do barco. Ela
não quis pegar os brincos, mergulhando os olhos nas águas do
grande rio, que sonhava em ser mar. Existe pecado na
Amazônia? O corpo não comete pecado, o desejo não o faz
nascer, o sexo não o alimenta, o gozo não o sacia. O pecado
não está no corpo nem no que se faz com ele. O pecado está em
enganar a alma e fazer acreditar que há amor, onde não há.
(...)

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